domingo, 8 de agosto de 2010

CELEBRAÇÃO DAS MASSAS

"A chave da organização dos grandes espetáculos era converter a própria multidão em peça essencial dessa mesma organização. Nas paradas e desfiles pelas ruas ou nas manifestações de massa, estáticas, em praças públicas, a multidão se emocionava de maneira contagiante, participando ativamente da produção de uma energia que carregava consigo após os espetáculos, redistribuindo-a no dia-a-dia, para escapar à monotonia de sua existência e prolongar a dramatização da vida cotidiana.
Hitler atribuía grande importância psicológica a tais eventos, pois reforçavam o ânimo do militante nazista, que perdia o medo de estar só diante da força da imagem de uma comunidade maior, que lhe transmitia gratificantes sensações de encorajamento e reconforto. O uso de uniforme, comum entre os militantes nazistas, servia à dissimulação das diferenças sociais e projetava a imagem de uma comunidade coesa e solidária. O impacto da política na rua em forma de espetáculo visava diminuir os que se encontravam fora do espetáculo, segregá-los, fazê-los sentirem-se fora da comunidade maravilhosa a que deveriam pertencer.
Os emblemas da águia e da cruz gamada, dispostos nas braçadeiras, nas bandeiras e nos estandartes, funcionavam como marcas de identificação. O símbolo mágico da suástica, de conhecida ancestralidade, uma espécie de cruz em movimento, sugeria a energia, a luz, o caminho da perfeição, como a trajetória do Sol em sua rota. Reich viu-a dotada de conteúdo afetivo, e capaz de suscitar profundas emoções. A cruz gamada portava um símbolo sexual, que havia tomado, historicamente, diferentes significações; suas linhas demonstram duas figuras enlaçadas, simulando um ato sexual – ‘daí seu poder de excitação sobre as camadas profundas e inconscientes do psiquismo...’
Cada acontecimento era preparado minuciosamente pelo próprio Hitler. Cada entrada em cena, a marcha dos grupos, os lugares dos convidados de honra, a decoração geral, flores, bandeiras, tudo era previsto. Aos poucos, a forma foi sendo definida, e os acontecimentos ganharam o sentido de um ritual religioso – um ofício -, que se manteve imutável em sua forma. Florestas de bandeiras, jogos de archotes, a multidão disposta disciplinadamente, a música envolvente, os canhões de luz. Os espetáculos eram preferencialmente noturnos, e neles é que Speer dispunha os projetores de defesa antiaérea, de modo a obter efeitos expressionistas, fosse aumentando a dimensão física dos monumentos, fosse para dar aos símbolos uma força mais que natural. [...]
O modo como a multidão se comportava durante esse tipo de espetáculo e a maneira ritualística com que ele era organizado acentuavam o caráter de culto religioso desses acontecimentos, a ponto de levar um observador francês a denominar o congresso atual de Nuremberg como o ‘concílio anual da religião hitlerista’. Ali eram definidos os dogmas, e eram lançadas as encíclicas. O militante nazista é visto como um crente, um apóstolo e um fanático. No ano de 1937 – diz a mesma fonte -, circulava uma estampa representando o führer de pé diante de uma mesa, tendo a seu lado, sentado, seus extasiados companheiros. E como legenda, as palavras: ‘No princípio era o Verbo’”.

[Fonte: LENHARO, Alcir. Nazismo: o triunfo da vontade. 6 ed. São Paulo: Ática, 1998, p. 39-42.]

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